Quais são as quatro características fundamentais das narrativas afrofuturistas?

Atualizado 17/02/2020

Quando o Afrofuturismo começa a se disseminar mais e mais no Brasil, passamos a observar um crescente interesse no assunto, bem como um número cada vez maior de pessoas ou se declarando afrofuturistas ou tachando obras, escritos, músicas e outras manifestações artísticas de afrofuturistas.

Seguindo a sugestão da filósofa Karolina Desireé, pensando em estabelecer limites para o Afrofuturismo, me debrucei sobre a questão e me questionei quais seriam esses limites. Senão, qualquer coisa é Afrofurismo. Qualquer coisa que haja pessoas negras envolvidas. Acredito que não deve ser assim; por exemplo, ficção científica com protagonismo negro apenas não deveria ser chamada de Afrofuturismo, deveria ser chamada de ficção científica.

Eu, Fábio Kabral, criei essas quatro características que definem o que é Afrofuturismo. Baseado nas minhas pesquisas, leituras e criações literárias a respeito da temática afrofuturista. Tive de me dar ao trabalho de editar este texto para deixar nítido que essas quatro características são criação minha, uma vez que algumas postagens e reportagens de outros passaram a citar as tais características sem dar os devidos créditos.

É importante frisar que se tratam apenas da minha visão sobre o assunto, e não algo escrito em pedra. Muitos não irão concordar. Outros irão alegar que ditar tais limites distancia muito do conceito original de Mark Dery, aquele que leva o crédito por cunhar o termo:

“Ficção especulativa que trata de temas afro-americanos e lida com preocupações afro-americanas no contexto da tecnocultura do século XX.”

Acredito que tal definição seja insuficiente tanto para nós, afro-brasileiros, quanto para qualquer outra pessoa negra que não seja estadunidense. Tanto é que a escritora Nnedi Okorafor há um bom tempo cunhou o termo Africofuturismo para definir o próprio trabalho e passou a exigir que não a tachem mais como afrofuturista. E eu concordo com ela.

Afrofuturismo está virando qualquer coisa.

Ao mesmo tempo, a maioria das afro-brasileiros sequer ouviu falar do Afrofuturismo.

Então, vamos às quatro características que eu criei. Acredito que narrativas sobre Afrofuturismo, para serem consideradas como tal, deveriam cumprir esses quatro requisitos mínimos:

  1. Protagonismo de personagens negros
  2. Narrativa negra de ficção especulativa
  3. Afrocentricidade
  4. Autoria negra

Protagonismo de personagens negros é o básico, mas longe de ser suficiente. Muitos simplesmente tacham de afrofuturistas qualquer ficção científica com protagonismo negro. Ora, basta chamar de ficção científica simplesmente. Não basta para justificar um gênero. Para além da mera representatividade, para além de simplesmente inserir mais atores negros numa narrativa de fantasia e ficção científica, para mim é mais uma questão de a pessoa africana ser a atriz e ator principais do palco planetário – o que nos leva à Afrocentridade, mais a baixo.

A narrativa deve ser de ficção especulativa – aquela que especula sobre um passado, presente ou futuro. Ficção especulativa nesse caso engloba narrativas de ficção científica, fantasia e horror sobrenatural, por exemplo. Já que o Afrofuturismo nasceu das perspectivas e experimentações negras em cima da ficção científica principalmente, nada mais justo. Há quem prefere ignorar ou desassociar o Afrofuturismo da fantasia e da ficção científica, mas, para mim, não faz muito sentido. O movimento afrofuturista, em sua origem, foi pautado em cima dos imaginários típicos das ficções fantástica e científica. É só ver as obras musicais do Sun Ra e do George Clinton.

Afrocentridade é a autoconscientização de pessoas negras como agentes atuando sobre sua própria imagem cultural e de acordo com seus próprios interesses humanos. Afrocentridade é um conceito e um campo de estudo criado por Molefi Kete Asante e algo complexo demais para se definir em poucas linhas; nesse caso, para quem tiver interesse, recomendo pesquisar e ler mais sobre o assunto. No que tange ao Afrofuturismo, posso dizer de forma bem resumida: acredito que uma narrativa, para ser considerada afrofuturista, deve ter como centro os imaginários, cosmologias, cenários, espiritualidade e perspectivas africanos e/ou afro-inspirados. Senão, será apenas ficção científica com protagonismo negro, o que não justifica um rótulo.

Por último, e não menos importante, está o protagonismo de autores negros. O Afrofuturismo nasceu da ação e experimentação de artistas negros na intenção de contarem suas próprias narrativas, a partir do seu próprio ponto de vista; não faz nenhum sentido narrativas afrofuturistas que não sejam de autoria negra. A maioria das definições sobre Afrofuturismo bate nessa tecla: narrativas criadas a partir da perspectiva negra. Então, estou dizendo que pessoas que não são negras não fazem Afrofuturismo? Sim, é exatamente o que estou dizendo. Na minha opinião.

O texto ficou bem maior com essa atualização. Espero que a questão tenha ficado mais nítida.

Para saber mais, assista a este vídeo, que foi a primeira vez em que falei sobre o assunto:

As quatro características do Afrofuturismo

1 comentário

Deixe um comentário