– Bem vindos ao Mundo Novo – sussurrou Nina para alguém que não estava ali.
Nina Onixé estava de pé, bem no meio da avenida. Era a Rua Treze, a maior avenida de Ketu Três, lotada de gente; uma enorme linha reta, que cortava toda a cidade, com chão de pedra recortada e calçadas repletas de árvores e arbustos; prédios espelhados se erguiam para os céus. Era um Ojo Aiku, o dia do sol, então havia famílias em toda parte; saias e vestidos coloridos, bermudas e camisetas de tecido geométrico, cabeleiras crespas, black powers e dreads, pulseiras e colares, o povo melaninado de Ketu Três sorria naquele bonito dia de descanso.
Lá em cima, na altura dos prédios, carros de passeio voavam, e algumas pessoas também; crianças muito felizes voando ao lado de seus pais, pássaros azuis as acompanhavam.
Nina estava parada no meio da avenida super movimentada, mas ninguém parecia se incomodar. Ela, então, começou a caminhar, e voltou a sussurrar:
– Meu povo é muito lindo, cês não acham? Somos gente melaninada do Continente, filhos de rainhas e reis, com os poderes de deuses correndo em nossas veias…
Além do colorido, havia também pessoas com roupas brancas, os trajes cerimoniais do culto aos ancestrais. Quando as Mães passavam, com grandes saias, ojás vistosos e fios sagrados no pescoço, as pessoas faziam uma reverência.
– As Mães são espetaculares… – Nina continuou sussurrando enquanto caminhava por entre as pessoas – Ialorixás empresárias com grandes poderes sobrenaturais… são elas que governam nossa nação, sabiam?
Nina Onixé também estava de branco, mas seu traje não era cerimonial, e sim um uniforme militar, semelhante aos das forças especiais das quais já fez parte: tecido fibroso, resistente, com microdispostivos. Destacavam-se também seus cabelinhos crespos, pintados de verde, bem como seu braço direito, cibernético, metálico e reluzente, uma maravilha tecnológica criada por ela própria.
– Eu sou a espada de Ogum – Nina continuava sussurrando – Tecnologia é o meu lance… é por isso que amo vocês, bebês que estão me ouvindo agora.
Nina continuou andando pela Rua Treze, apinhada de gente, até chegar nos portões de um grande prédio. O Setor 11 da Treze, uma das áreas mais abastadas da metrópole, só tinha estruturas magníficas; porém, aquele prédio era todo coberto de plantas nobres, estátuas e pilares de puro bronze, os quais representavam figuras de heróis ancestrais do Continente. Era a torre Olabukunola, uma das maiores e mais protegidas construções do Setor 11…
…No entanto, com um gesto despreocupado da Nina, as câmeras de segurança se desligaram, os portões de holografia sólida se abriram.
– Moramos na cidade-nação mais cibernética e espalhafatosa do mundo – ela continuava dizendo – temos toda essa tecnologia espiritual incrível, manifestamos poderes de deuses… e, ainda assim, cometemos falhas. Muitas falhas mesmo. Peço licença para entrar, caros bebês, pois tenho trabalho a fazer.
Ao lado dos portões agora abertos, dois colossos de titânio e aço guardavam a entrada. Eram figuras abrutalhadas, de quase três metros e altura cada uma, e quase o mesmo de largura. Sua forma parecia a de monstros das antigas lendas. Nina se aproximou daqueles dois robôs monstruosos, e continuou dizendo:
– Amo nossas tradições, amo esta sociedade erguida com o sangue e luta dos nossos antepassados. Mas… somos humanos, e alguns de nós erram feio, sabe?
Os guardas robôs pulsavam, trêmulos, enquanto Nina ia entrando na torre; porém, a um gesto dela, eles se remexeram e se entreolharam, como se estivessem confusos; então começaram a se contrair, depois se abrir, se contrair de novo, se expandir, como que se quebrando e se remontando várias vezes…
– Sou contra um governo que impõe decisões baseadas em ganância e interesses pessoais, contra elites que abusam do poder, que torturam até crianças… Não vão escapar da minha justiça. Sou a espada de Ogum. Hora do show, bebês!
No meio da Rua Treze, a maior avenida de Ketu Três, numa tarde ensolarada repleta de famílias felizes, enormes robôs monstruosos iniciaram uma dança de requebra, rebolando a bundinha cibernética no meio das pessoas – que correram, gritaram, gargalharam, desmaiaram, tiraram fotos – enquanto Nina entrava tranquilamente num dos prédios mais valiosos e vigiados de Ketu Três sem ser incomodada.
– Não se faz revolução sentada no sofá. Bem vindos a Ketu Três!
*Nina Onixé é personagem de destaque nos livros que narram a saga de Ketu Três – que contam, no momento, com os livros “O Caçador Cibernético da Rua 13” e “A Cientista Guerreira do Facão Furioso“. Filha de Ogum, cientista, ex-agente secreta, atiradora de elite, líder revolucionária. Melhor amiga do João Arolê e tutora da Jamila Olabamiji. E, agora, garota-propaganda da Rede Afrofuturismo. Conheça mais sobre a personagem lendo os livros de Ketu Três!
A ilustração é trabalho do artista Rodrigo Cândido.