Todo esse movimento de recriar o passado, transformar o presente e projetar um novo futuro através da nossa própria ótica pra mim é a própria definição de Afrofuturismo.
― Eu mesmo, em 2016
Quem acompanha minhas redes sociais deve ter percebido o quanto eu vinha maldizendo o gênero Afrofuturismo e questionando minha associação a tal movimento. Nas próximas linhas irei refutar minhas próprias críticas e ressaltar porque o Afrofuturismo é mais importante do que nunca daqui para frente.

Este texto não é um artigo acadêmico e tampouco um ensaio, e sim meramente um texto de opinião. Este texto também pretende menos ditar as definições de Afrofuturismo e mais questionar as percepções do movimento hoje. Trata-se, na verdade, de uma conversa bastante informal, sem nenhum teor científico. Tenha isso em mente caso decida reproduzir trechos nalgum ambiente acadêmico.
É preciso dizer que o que realmente me motivou a escrever foi o filme “Pantera Negra: Wakanda para sempre”, ou melhor as repercussões da película.
Na minha humilde opinião: “Wakanda para sempre” é um filme absolutamente espetacular. Há um impacto emocional tremendo. A produção tem seus problemas de ritmo e condução, mas é infinitamente melhor do que o primeiro. Acima de tudo, é um filme de mulheres pretas, algo inédito no mercado de filmes de super herói.

Após o filme, assisti a alguns vídeos de youtubers falando sobre Wakanda para sempre. Sem surpresa nenhuma, quase todos que exaltaram o filme, pelos mesmos motivos que, foram pessoas pretas, pelos mesmos motivos que eu; a identificação com os personagens gerou para nós maior impacto, o golpe emocional foi muito mais profundo. Enxergamos mais as qualidades que os defeitos. E, com outros, foi o contrário; quase todos que somente enxergam os defeitos e problemas do longa foram pessoas brancas. As mesmas pessoas que exaltam produções como a franquia Game of Thrones, Young Royals, Vikings e outras, produções sobre culturas e valores europeus, em que ou negros são sub representados ou simplesmente não existem.
Por muito tempo tentei rejeitar o Afrofuturismo porque acho lamentável reduzir belíssimas obras de artistas negros a um mero componente racial. Ao mesmo tempo, mais do nunca, parece que precisamos ainda ressaltar a importância da discussão racial na sociedade.
É pavoroso que estamos no final de 2022 e filmes como os da franquia Pantera Negra ainda são raríssimos. É pavoroso que ainda tenhamos que lidar com sub representação.

Eu sou alguém que detesta ter de atentar para a importância da representatividade, porém estamos nos anos 20 do século 21 e somente agora em 2022 tivemos um filme de super herói liderado primordialmente por mulheres pretas. Minha companheira atentou para essa questão.
Estamos sempre sendo apresentados à representatividade branca, mas as culturas negras e personagens quase nunca possuem destaque.
De novo, é lamentável que essa questão ainda tenha de ser discutida.
A identificação racial é algo sempre presente. A diferença é que a representatividade branca é tratado como o “padrão”, como “algo normal”.
Como vivemos numa era perigosa de histeria pós verdade, é preciso dizer: não se está propondo “guerra racial”, “nós contra eles” ou qualquer coisa que valha. Está se propondo a garantia de direitos iguais.

Uma das definições mais firmes de Afrofuturismo é: obras de ficção especulativa que possuem protagonismo negro, tratam de temática negra e criados a partir da ótica negra.
Por um tempo passei a rejeitar o Afrofuturismo por causa do reducionismo que levam muitos a entender o movimento simplesmente como: “negros no futuro”.
Até que compreendi o óbvio: aquele que cria novas realidades por meio de sua arte cria inevitavelmente novos futuros para a humanidade.
Ah sim, importante ressaltar: Afrofuturismo não é um movimento de nicho, apenas para negros, e sim um movimento cultural, artístico e político que tem por pretensão inspirar todos os povos humanos.
A jornada de dor e conquistas do povo negro é algo potente capaz de fortalecer a mente e o coração de todo mundo.
Outro fator que me fez distanciar do Afrofuturismo foi a pandemia. Se o Afrofuturismo realmente tem como meta inspirar futuros possíveis, como diabos eu poderia pensar em novas realidades quando estávamos afundados na realidade perversa que foram os dois anos de surto pandêmico, isolamento, negacionismo e morte? Assim como todo mundo, fui acometido por uma série de transtornos de ordem psíquica, que envenenaram muito do meu discernimento.

Aqui aproveito para desculpas para todo mundo que chateei com a minha ladainha anti afrofuturismo. Já critiquei bastante, mas penso que o momento é de ser propositivo. Maldizer menos e fazer mais.
Afrofuturismo não é realidade, é ficção. E por isso mesmo é muito importante. A ficção molda os sonhos e esperanças do mundo. A ficção cria sim novos futuros possíveis. Estamos num momento em que precisamos reafirmar nosso compromisso com as pessoas. Precisamos apresentar novas formas de se pensar, precisamos contribuir mais criando novos caminhos para o imaginário da humanidade.
Desta forma, eu, Fábio Kabral, escritor publicado de ficção especulativa, reassumo o meu lugar como escritor afrofuturista.
Porque o Afrofuturismo é muito maior do que eu. Porque enquanto persistirem as desigualdades raciais que negam a nossa existência no imaginário do mundo, é preciso que exista este movimento inspirador que nos lembra que somos capazes de sonhar tão bem a ponto de criar novas realidades.

Para criar futuros possíveis, precisamos sonhar e lutar pelo direito de tornar nossos sonhos realidade.
Fábio Kabral, escritor afrofuturista, 14/11/2022
Baita texto, já conhecia o termo afrofuturismo há um tempo e agora to me aproximando mais de escritorus e artistes no geral, pesquisando cheguei no seu blog. Gostei de como vc traz definições, imagens e exemplos pro tema bastante acessíveis.
Ainda não assisti Wakanda para Sempre mas vi esses tempos A Mulher Rei e me encantou e chamou a atenção o protagonismo de mulheres pretas em um filme de guerra/guerreiras com produção e orçamento hollywoodianos. Fiquei pensando que tanto essa história pode se encaixar no conceito de afrofuturismo de apontar novos futuros e caminhos (ainda que a partir de um retrato do passado) ou que tanto esse retrato pode chegar em alguns dos mesmos lugares que o afrofuturismo. Vc viu o filme?