Porque eu PRECISO escrever ficção

“Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?”

Tal é a dualidade existente entre realidade e ficção. Uma não existe sem a outra. De forma semelhante, os seres humanos precisam da ficção tanto quanto precisam comer e respirar.

Por que a ficção me fascina tanto? Porque a ficção é tudo o que a realidade não é, ao mesmo tempo em que a ficção é a própria realidade elevada à mais alta potência.

Por que eu escrevo ficção?

Seja em qualquer época ou era da humanidade, a ficção é sempre importante. É imprescindível, na verdade. Podemos argumentar que a ficção se torna mais importante ainda em tempos sombrios de incerteza, mas acredito que seja importante também nos momentos de alegria e tranquilidade. Estamos consumindo e produzindo ficção sempre, mesmo quando achamos que só vivemos com os “pés no chão”.

O que significa ser “realista” afinal?

Ser “realista” significa desprezar obras ficcionais como um todo ― filmes, livros e jogos ― mas acreditar piamente nas notícias espalhadas pelo “tio do zap”?

O que é a realidade senão um simulacro da imaginação?

Eu não quero uma realidade que ignora as potencialidades da imaginação.

Desde os tempos antigos, nós contamos histórias. Contamos histórias de poder para empoderar nós mesmos. Contamos histórias sobre deuses e monstros para ensinar a nós próprios o que é certo e o que é errado. Contamos histórias para entendermos o mundo ao nosso redor, para nos conectarmos com as pessoas, para nos conectar com os deuses e monstros que vivemos dentro de nós. Tudo isso porque histórias são o alimento da mente e da alma.

A vitória do herói da ficção é a nossa vitória sobre as forças internas que nos impedem de seguir adiante. Todo dia, nós batalhamos contra monstros interiores que fomentam a nossa estagnação.

Por mais que não queiram admitir, todo mundo se sente inspirado quando o herói vence a sua batalha. Especialmente se esse herói se parece com você.

Qual é a importância da ficção na sua vida?

Se você vive e respira, você imagina. Não importa o quão realista você se considere. A imaginação faz parte de você.

Todas as noites, você sonha. Mesmo que não se lembre disso.

Sou movido por sonhos. Frequentemente estou naquele estado que chamam de “sonhar acordado”. Acontece principalmente quando estou ouvindo minhas canções favoritas, lendo algum livro fantástico ou assistindo a algum filme ou jogando algum game que seja capaz de me causar tais sensações. É uma sensação absolutamente indescritível. Tudo se torna possível. Não há limites nem para as alturas e tampouco para as profundezas.

Ao longo de toda a sua história, a humanidade criou diversos signos. A humanidade criou diversos sinais identitários que simbolizam o seu grupo cultural e/ou o imaginário de seu povo.

É curioso como ainda hoje, no século 21, “apenas” todos os imaginários que não sejam europeus sejam considerados “identitários”.

O imaginário molda o mundo. O imaginário vigente determina qual versão da realidade as pessoas devem acreditar e considerar.

Como homem negro, eu não aguento mais dizer que os imaginários europeus ainda dominam o mundo. Não aguento mais reclamar das trocentas estórias sobre deuses gregos, nórdicos e celtas. Não aguento mais e não vou mais dizer sobre isso, ok?

De qualquer forma, os imaginários do mundo estão mudando.

Eu escrevo ficção com a convicção de que estou alterando a realidade. Escrever é uma mágica real no mundo físico e metafísico, porque molda o imaginário, que molda o mundo onde vivemos.

Escrever ficção é pura magia, no sentido mais delicioso da palavra.

Por que eu só recebo convites para eventos e palestras para falar só só de racismo racismo se eu posso contribuir com muito, muito mais?

“Estou à procura do meu príncipe encantado”.

Quem nos ensinou essa expressão? Por que buscamos nas pessoas uma perfeição que nunca existiu?

Quem te ensinou a se frustrar com ideais impossíveis de se realizar?

Eu escrevo ficção porque não aguento mais os padrões que me são impostos.

Quais são os padrões da realidade em que você vive?

Para mim, o que chamam de “realidade” não passa de uma pura ilusão. Especialmente nesta era da informação em que vivemos, somos bombardeados diariamente com os mais diversos padrões e signos que moldam o nosso imaginário e ditam como devemos enxergar a realidade. A realidade em si se torna cada vez mais uma espécie de crença imposta do que algo realmente concreto.

Cada vez mais, a realidade se reduz a um mero simulacro de imaginários impostos.

Quem domina a narrativa do imaginário vigente, domina a mente e a alma das pessoas. Domina o mundo.

Eu escrevo ficção porque meu desejo é que o meu imaginário se torne realidade.

Quando você lê ficção, as planícies e montanhas do seu imaginário se esparramam por todo o horizonte dos seus inúmeros mundos internos. Os infinitos mundos que cultivamos dentro de nós são as expressões fragmentadas das essências que nos compõem. Tais essências são moldadas pelas nossas experiências, ou melhor, pela nossa interpretação do que experimentamos no mundo real. A forma como interpretamos depende de como vivenciamos, e como vivenciamos depende de como interpretamos. Nós não somos moldados sozinhos e sim pelos que vieram antes de nós. Os que vieram antes de nós são moldados pelo passado, pelo presente e pelo futuro do mundo ao nosso redor, tudo ao mesmo tempo. O tempo e o espaço não passam de um construto ilusório conveniente para as limitações das nossas percepções.

A imaginação é real, se não fisicamente então metafisicamente.

Eu escrevo ficção para tornar minha imaginação uma realidade.

O que você imagina para você mesmo e/ou para o mundo?

Você sabia que franquias famosas de ficção científica tais como “Jornada nas Estrelas” vêm inspirando as pessoas a se tornarem astronautas? Você sabia que as invenções mirabolantes da ficção científica inspiram cientistas e engenheiros em geral?

Na minha mente, o que eu escrevo realmente, sempre escrevi e sempre escreverei é fantasia. Ficção fantástica. Vamos então tentar enxergar a fantasia para além do conceito de “mentira”… ou do cunho sexual.

Fantasia é algo fantástico! Digo isso com intuito de enfatizar a redundância da maravilha. A escrita fantástica é a concretização do sonho. A escrita de orientação fantástica expõe para o mundo uma infinidade de mundos feitos da mesma matéria que são feitos os sonhos.

Quanto valem os seus sonhos? O quão longe você está disposto a ir para tornar seus sonhos realidade?

Escrever fantasia me permite potencializar o excesso de realidade no qual me encontro imerso. Para mim, a fantasia é a máxima potência das minhas ambições mais profundas. É a máxima potência da imaginação que fervilha dentro de mim. A fantasia é o símbolo máximo da ambição humana de alcançar as alturas e as profundezas. Fantasia é a magia que move mentes e almas ao redor do mundo.

Desejo que olhem para mim. Desejo que me olhem não como um rótulo chamado “afrofuturismo”, não como um rótulo chamado “homem negro”. Desejo que olhem para mim como alguém que cria novas realidades por meio da escrita. Desejo que olhem para mim como alguém que vive pela ambição de sonhar tão bem a ponto de criar novas realidades.

Será que vocês são capazes de olhar para mim, ou para qualquer outra pessoa, com outro olhar e outra concepção para além da sua interpretação da realidade?

Nós moldamos os rótulos ou somos moldados por eles?

Acredito que fazemos uso dos rótulos numa tentativa de quantificar o inquantificável. É impossível explicar apenas com os olhos da racionalidade a subjetividade que é a fantasia. A não ser que você siga uma fórmula batida para criar o fantástico. Infelizmente, muitos caem na armadilha de seguir receitas de bolo, imersos na insegurança de permitir que a sua imaginação voe livremente. É realmente assustador permitir que a nossa imaginação voe sem restrições, e talvez seja até danoso demais. Acordos são necessários para que se encontre o melhor equilíbrio.

Você ainda acha que se render à banalidade do realismo ainda é o melhor caminho?

Eu questiono as minhas crenças com frequência. Não porque eu duvide da divindade e sim porque não desejo que as minhas crenças me limitem. Não há nada pior que se rebaixar a um simulacro de si próprio, que não pensa por si só e sim se limita a seguir uma programação tediosa, previsível e incapacitante.

Intumescidas de dor diante as consequências de suas escolhas, quantas pessoas não se jogam no caminho fácil da fé cega sem hesitações?

Eu abandonei a religião mas não abandonei o sagrado. Não preciso que ninguém me diga como eu devo acreditar. Eu creio na divindade da mesma forma que eu creio na imaginação: a realidade do imaginário é metafísica, não física.

Nós criamos os deuses, ao mesmo tempo em que fomos criados por eles.

Ambas afirmativas são corretas porque é dessa forma que funciona o mito.

Da mesma forma que a imaginação e a realidade são o famigerado “lados opostos da mesma moeda”, o mito e a ciência são irmãos. Ao contrário da ciência, o mito é alógico por natureza. O mito é tão ou mais complexo que a ciência, já que o mito, assim como a ciência, tem a pretensão de tentar explicar a realidade. No entanto, não se pode exigir lógica do mito porque o mito é, por definição, a expressão máxima da falta de lógica.

Os mitos são realidade no mundo metafísico, e até hoje são decisivos no mundo físico, porque moldam o imaginário, que molda a mente, a alma e o coração das pessoas.

Ainda não se convenceu de que o imaginário molda a realidade? Ainda acredita que a realidade é algo imutável, sempre lógico e exato?

A ficção me fascina tanto porque a realidade para mim é algo decrépito e decepcionante. Acredito que a banalidade da realidade limita e muito o verdadeiro potencial dos seres humanos. Acredito que a resposta para ascensão é mergulhar nos infinitos mundos internos que existem dentro de nós e compartilhar tais universos com o máximo de pessoas possíveis.

Quero ascender a algo além do que esta realidade me limita. Quero ascender a altura e a profundeza dos meus sonhos.

Eu escrevo ficção com a pretensão de tornar meu próprio mito uma realidade. 

Todos os seres humanos precisam da ficção tanto quanto precisa de ar e comida.

Eu escrevo ficção para viver além do que a realidade me limita.

Eu escrevo ficção para viver além da minha mera existência mortal.

Eu escrevo ficção com a pretensão de encantar e inspirar o mundo da mesma forma que as narrativas ficcionais do mundo me encantam e me inspiram.

Eu escrevo ficção com a pretensão de criar novos imaginários, com a pretensão de criar novas realidades.

Eu escrevo ficção com a pretensão de ascender à divindade dos meus imaginários e universos infinitos!

Eu escrevo ficção para tornar meu sonho realidade.

Fábio Kabral

25/03/2022

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